Senna, 30 anos – Capítulo 7: tensão nas horas que antecederam o GP de Ímola
Lívio Oricchio lembra da recriação da associação de pilotos,
da concentração total de Ayrton antes da fatídica corrida e da sensação de preocupação geral após os acidentes durante os treinos
1º de maio de 1994. O dia mais impactante na minha carreira de 36 anos de jornalismo.
Ok, estamos no dia da corrida no circuito Enzo e Dino Ferrari.
Se você acha que o pior já passou, está enganado. A onda de tragédias não chegou à praia, segue se deslocando e com desenvoltura, ainda.
Prepare-se para as fortes emoções que vêm a seguir.
O domingo amanheceu ensolarado, apesar de não fazer calor.
Desde 1992 instalava-me numa pequena cidade chamada Riolo Terme.
De lá até Ímola, onde encontra-se o autódromo, cruzamos as montanhas dos Apeninos,
em cujas colinas são cultivadas uvas que dão origem ao vinho Sangiovese, típico da região.
Há plantações também de “plune”, que são aquelas cerejas vermelhas grandes, e kiwi.
Logo na saída do Albergo Serena, onde eu ficava, está o acesso a essa bucólica e sinuosa estradinha.
Quando acaba, 11 quilômetros adiante, damos de cara com o muro da pista na altura da curva Rivazza.
Depois contornamos parte do perímetro do autódromo para chegar à entrada.
O difícil é dirigir em meio à multidão que se aglutina para acessar o circuito.
Na época, não havia uma divisória que nos separasse dos pedestres.
O tempo perdido era enorme. senna
Contaminação emotiva
Confesso que estava bastante sensibilizado com tudo o que ocorrera naquele fim de semana.
Primeiro, o acidente de Rubens Barrichello, na sexta-feira.
Depois, a morte de Roland Ratzenberger, no sábado.
Tinha a certeza de que a proibição de quase todos os recursos eletrônicos, naquele ano, sem diminuir a potência dos carros,
os deixara perigosos, como afirmara Barnard.
Não é tudo. Na etapa anterior, em Aida, no Japão, na quarta-feira,
eu estava no autódromo japonês quando vi um carro de passeio prestes a deixar a área dos boxes.
Como sempre faço em todas as pistas, desejava conhecer o traçado com um veículo, movendo-me a passos de tartaruga.
Com o tempo você aprende a entender muitas coisas, características do traçado, do asfalto, das zebras, da entrada e saída dos boxes, dentre outros.
Tudo te ajuda a compor melhor o cenário da competição.
Você dispõe de mais elementos para montar o seu quebra-cabeça.
Havia outra pessoa com Wirth: seu piloto, Roland Ratzenberger. O austríaco disputou mais de uma temporada no automobilismo japonês, com carros esporte-protótipos, e já tinha corrido em Aida em algumas ocasiões. Conhecia, portanto, a pista.
Recepção cordial
Com simpatia, me colocaram na conversa como se me conhecessem, eu fizesse parte do staff. Os dois falavam sobre como acertar o carro da Simtek para o circuito. Depois de completar algumas voltas, Wirth e Ratzenberger pararam o carro no paddock e, por outros 15 ou 20 minutos, seguimos conversando.
Entre os temas estava Senna. O austríaco se impressionou com a forma como o viam no Brasil, “um deus, não um semideus”. Havíamos estado há pouco no país para a prova em Interlagos.
Pois bem, aquela pessoa afável, cortês, simples, estava agora morta. Aquilo gerou um impacto em mim. Meu primeiro GP como jornalista fora o do Brasil de 1987 e, desde então, ninguém havia morrido na F1. Era uma novidade. E o piloto não era mais um total desconhecido para mim.
A iminência de novos acidentes naquela F1 instável ficara nítida. Jamais pensei, contudo, que Senna pudesse estar envolvido em um deles. Isso não passava pela minha cabeça. Creio que na de ninguém. Cheguei no autódromo pouco antes do warm up, próximo das 9h.