Da laje para a UFRJ
Cristian Gomes, de 21 anos, que cedeu a laje, foi um dos aprovados pelo UniFavela. O jovem, que hoje cursa administração na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conta que não hesitou em doar o espaço quando soube que as aulas poderiam ser encerradas.
“A gente queria continuar estudando com eles. E já que a gente estava sem um local, coloquei panos nas mesas, pus cadeiras e adaptei a laje da minha casa”, relembra o jovem.
Fundadores do projeto e também moradores da Maré, Laerte, de 24 anos, que cursa letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Daniele, 24 anos, graduanda de história na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), apostam no ensino não linear para passar os conteúdos aos estudantes.
“É para além de um pré-vestibular de passar conteúdo, a gente privilegia a educação popular. A gente está ali para tirar uma dúvida ou outra, mas construir junto, aprender junto”, afirma a estudante de história.
Cristian Gomes cedeu a laje de casa para que o projeto continuasse
Laerte conta que a iniciativa começou de maneira despretensiosa, mas que logo precisou de um quadro maior de voluntários. Pelas redes sociais, o grupo divulga as ações e também recebe novos professores que queiram contribuir para o projeto.
“Não foi uma ação planejada. Por coincidência, eu estava nessa biblioteca e uma amiga me pediu ajuda com linguagem para a prova da Uerj. Depois, ela apareceu com mais amigos e eu pensei que também poderia conseguir mais professores”, conta Laerte, que optou pela licenciatura para gerar retorno educacional à comunidade.
Estudante de história da UFRJ
Letícia Maia também passou a dar aulas no UniFavela a convite de Laerte.
Com a organização de saraus, oficinas de arte e cultura, o grupo expandiu a ação social para fora da sala de aula, arrecadando doações para moradores em situação de vulnerabilidade da Maré.
“Nunca o nosso propósito era só a aprovação. Óbvio que tinha essa motivação, que essas pessoas estivessem na faculdade, mas o objetivo primeiro era a formação humana, de pessoas que gostem de aprender, conhecer, que tenham esse apreço pelo conhecimento e cidadania”, afirma Letícia Maia.
Depois de meses funcionando na laje, o grupo conseguiu arrecadar fundos em uma vaquinha online após uma publicação viralizar nas redes sociais. Atualmente, a UniFavela funciona em uma sala de aula estruturada na sede de um projeto social na Maré.
Grupo de professores aposta em saraus com oficinas artísticas para além do conteúdo do vestibular
Dificuldades além da sala de aula
Apesar do forte calor e períodos de chuva, a maior dificuldade – segundo os professores e alunos – não estava na falta de estrutura da sala de aula improvisada.
“Por mais que a gente estivesse em uma laje, em um ambiente não muito confortável, muito quente, muito frio, o pior era o tiroteio. Era muito perigoso estar em uma laje na favela, né?”, relembra o estudante Cristian Gomes.
A violência dos constantes confrontos entre traficantes e policiais na Maré comprometia o andamento das aulas e atrasava o conteúdo passado aos estudantes, como conta a professora Daniele Figueiredo.
“Eu tive várias aulas interrompidas em operação policial, precisava ligar correndo para os alunos que estavam quase saindo de casa e pedir ‘Não sai, não sai, vou ter que cancelar a aula, não sai’. Então, é uma questão muito mais preocupante a questão das operações”, relembra a professora.
Apesar do resultado positivo em meio a um ambiente marcado pela violência e falta de estrutura, os alunos e professores não acreditam em uma visão meritocrática por trás das conquistas dos estudantes.
“Estudar é uma tarefa extremamente difícil. Se eles passaram, se a gente passou, não foi meritocracia. Foi porque, de alguma maneira, a gente conseguiu estudar. Se deixar tudo de lado, todas as preocupações, e sentar e estudar, é muito complicado”, conclui Daniele.
dificuldades da rotina
A jovem Lindalva do Nascimento, de 22 anos, que entrou no pré-vestibular comunitário neste ano, reconhece as dificuldades da rotina dos estudos em meio às situações enfrentadas por moradores de comunidades do Rio.
“Não é só ‘estudar que passa’ quando tem um caveirão na porta da favela impedindo você de se concentrar nos livros”, afirma a estudante.
A jovem não planejava entrar no Ensino Superior até estudar com os professores do UniFavela. Neste ano, ela tenta uma vaga em Psicologia para retornar ao projeto futuramente.
Para o fundador do projeto, Laerte Breno, a transformação atinge, também, as famílias dos estudantes.
“Eu choro quando eu vejo eles aprovados. É gratificante estar naquele universo acadêmico que é de direito deles nesse lugar que é socialmente distante. As famílias se sentem abraçadas, nos dão retorno, é além da sala de aula. Cria laços”, conclui o professor.