Fontes de diferentes países sul-americanos admitiram que as tensões regionais estão elevadas neste momento e que o momento não é exatamente propício para reunir na mesma mesa os 12 presidentes da região
Quando tomou posse no início do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu retomar a integração sul-americana, um dos pilares da sua política externa nos dois primeiros mandatos, mas até agora a realidade está mostrando que reunir novamente a região, dividida por crises internas e questões ideológicas, é uma tarefa quase impossível.
Há um ano, Lula conseguiu reunir 11 presidentes da região em Brasília, cinco anos após a última reunião da Unasul, usando o charme de ter acabado de voltar ao poder. Apenas a presidente do Peru, Dina Boluarte, não compareceu por problemas internos em seu país. Este ano, a cúpula do “Consenso de Brasília”, um grupo de diálogo informal que deveria substituir o que costumava ser o bloco formal Unasul, não está despertando o mesmo interesse.
Fontes do lado brasileiro admitiram à Reuters que há pouca boa vontade por parte da maioria dos países da região, e o mais provável é que a reunião que deveria ter lugar no Chile, na última quinzena de maio, não se realize.
“Vou ao Chile em maio e espero que o presidente (Gabriel) Boric convide as pessoas que estiveram no Consenso de Brasília para discutir a integração da América do Sul. Precisamos discutir como agir como um bloco”, disse Lula a jornalistas em Brasília, nesta semana. “Vamos respeitar as diferenças, mas trabalhar juntos para fazer a economia crescer. Está difícil, mas temos que tentar”.
Por outro lado, Boric, no mesmo dia, disse que, apesar de estar sempre aberto ao diálogo com todos os chefes de Estado da região, o encontro não estava nos planos da visita de Lula desta vez.
Fontes de diferentes países sul-americanos admitiram que as tensões regionais estão elevadas neste momento e que o momento não é exatamente propício para reunir na mesma mesa os 12 presidentes.
“Tivemos a situação no Equador, temos os problemas com a Venezuela… a região não é a mesma de quando o presidente Lula e os outros criaram a Unasul”, disse uma fonte brasileira. Uma alternativa, segundo essa fonte, seria deixar um segundo encontro do grupo para ano que vem, quando a Colômbia estará à frente do diálogo.
O presidente colombiano, Gustavo Petro, que recebeu Lula na semana passada em Bogotá, confirmou que o país tem interesse em manter o diálogo.
Outros admitiram que sentar-se com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, neste momento não é algo que a maioria dos países esteja planejando, especialmente tão perto de uma eleição na Venezuela que provavelmente levantará questões sobre sua imparcialidade.
“As eleições na Venezuela vão criar sérias tensões. Ninguém quer fazer parte de um novo grupo quando há tanta incerteza sobre se alguns países reconhecerão Maduro, quem não o reconhecerá ou quem rejeitará as eleições. Isso vai ser um problema gigante novamente, dividindo a opinião regional, então os líderes não querem fazer declarações em alguma reunião em maio”, disse uma fonte diplomática sênior do Cone Sul.
Embora o Brasil tenha considerado a reunião de Brasília, no ano passado, um sucesso, a Venezuela já era um ponto de discórdia, com o Uruguai e o Chile tentando se distanciar rapidamente da posição de Lula sobre o país.
O presidente brasileiro, que recebeu o venezuelano um dia antes do encontro regional em uma visita oficial, defendeu o regime e afirmou que Maduro teria que trabalhar para “mudar a narrativa” de que seu país é uma ditadura.
“Depois da reunião da Unasul no ano passado, quando as tensões sobre a Venezuela mostraram uma falta de unidade regional e que claramente um relançamento (da Unasul) não era viável, surgiu essa ideia de continuar um diálogo, através do Consenso de Brasília”, disse outro diplomata sul-americano.
“O relançamento da Unasul foi um fracasso, então este é um plano B para manter um diálogo, que não está muito institucionalizado. Não há apoio para o estabelecimento de um grupo totalmente novo na nossa região, tal como está”, acrescentou.
A diplomacia brasileira admite que é improvável a criação de uma nova Unasul, mas Lula continua a insistir numa ação mais coordenada na região. Declarações recentes mostram claramente a sua frustração com a situação regional e a falta de interesse dos países da região em ter uma atuação coordenada.
“Nunca estivemos tão separados como agora. Temos que assumir a responsabilidade de decidir que América do Sul queremos e que integração queremos”, disse Lula em Bogotá, na semana passada.
A Unasul foi criada em 2008, com Lula e uma América do Sul majoritariamente com presidentes de esquerda. Em 2019, com o crescimento da direita na região, terminou abandonada.
Em uma tentativa de retirar a Venezuela das discussões regionais, em 2019, por iniciativa do Chile, foi criado o Prosul, reunindo também Brasil (então sobre a presidência de Jair Bolsonaro), Uruguai, Paraguai, Colômbia, Equador, Peru e Guiana, todos sob governo de direita. A tentativa de um bloco também teve vida curta, mas marcou uma separação na região que ainda não cicatrizou.
“Creio que, neste momento, há demasiado ressentimento entre os líderes sul-americanos para que o encontro seja produtivo, ou mesmo para que haja uma cúpula. A invasão da embaixada mexicana pelo Equador fez com que as relações ultrapassassem os limites”, disse Brian Winter, vice-presidente de políticas do Conselho das Américas.
“Também se ouve em algumas capitais o ressentimento contra o Brasil por tomar por garantido o seu status de grande superpotência regional, enquanto Lula se concentra sobretudo em grandes questões globais como Oriente Médio”, acrescentou.
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