Cálculo providencia sensação térmica mais fiel à realidade, o que pode explicar mortes relacionadas a calor.
O calor extremo, o fenômeno climático que mais mata, pode tornar áreas do Centro-Oeste, Nordeste, Norte e Sudeste do Brasil, além de outras regiões do mundo, inabitáveis dentro de 50 anos. A NASA, a agência espacial americana, divulgou essa informação com base em uma análise recente. Para entender o que causa mortes por calor, a ciência não leva em conta apenas a temperatura do ar. Um outro número, mais preciso e eficaz em mensurar o conforto térmico, é a temperatura de bulbo úmido.
Essa medida resulta da combinação da temperatura com a umidade do ar. Mesmo uma pessoa saudável superaquecerá e poderá morrer se permanecer em uma temperatura de bulbo úmido superior a 35°C por mais de seis horas.
Por que parte do mundo pode se tornar inabitável?
O estudo liderado por Colin Raymond, do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, alerta que parte do mundo pode se tornar inabitável. O trabalho analisou os extremos de calor e umidade e foi publicado na revista científica Science Advances.
Para realizar o estudo, Raymond e seus colegas usaram imagens de satélite e projeções da temperatura de bulbo úmido, que considera não apenas a temperatura, mas também a umidade do ar.
Embora o ar seco possa ser desagradável, a umidade aumenta significativamente a sensação de calor. Isso ocorre porque a transpiração é um dos principais mecanismos de resfriamento do corpo humano. Porém, quando está muito úmido, o suor não evapora, impedindo a dissipação do calor.
Com a temperatura igual ou superior a 37°C e mais de 70% de umidade do ar, qualquer pessoa pode começar a ter problemas de saúde.
Como o calor mata
Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Meteorológica Mundial (OMM) informou que entre 2000 e 2019, o calor matou 489 mil pessoas por ano no mundo. Contudo, como a mortalidade associada ao calor não é corretamente notificada na maioria dos países, a OMS e a OMM estimam que o número real de mortes é, no mínimo, 30 vezes maior.
Isso significa que pelo menos 14.670.000 pessoas morrem por ano devido ao calor no mundo. E esse número é anterior às temperaturas recordes e ondas de calor mais intensas e prolongadas registradas em 2023 (o ano mais quente da História da Humanidade) e 2024, que caminha para superar o ano anterior.
Cientistas destacam que raramente o atestado de óbito indica que uma pessoa morreu de calor. A causa pode ser um AVC ou um infarto.
Na maioria dos casos, as vítimas são pessoas com doenças crônicas, como pacientes renais. Mas quem puxa o gatilho é o calor. Ele afeta portadores de doenças crônicas, como problemas cardíacos, renais e diabetes, fazendo com que muita gente morra antes da hora.
O que é a temperatura de bulbo úmido?
A temperatura do bulbo úmido é um bom caminho para entender este fenômeno. Isso porque 35°C de bulbo úmido equivalem a 45°C com 50% de umidade, resultando em uma sensação térmica de 71°C.
É um calor mais escorchante do que o medido em desertos, que são secos. Para se ter ideia do quão terrível essa temperatura é, as ondas de calor recentes nos EUA e na Europa têm ficado em torno de 30°C de bulbo úmido.
No entanto, alguns lugares do mundo têm registrado valores térmicos acima do limite de risco. Exemplos são o Paquistão e países do Golfo Pérsico.
Áreas inabitáveis até 2070, segundo a NASA
A seguir, as áreas onde os cientistas estimam que a combinação de calor e umidade extremos impedirão que sejam habitadas em torno de 2070:
- Sul da Ásia: Esta região, onde vivem milhares de milhões de pessoas, poderá registrar temperaturas de bulbo úmido superiores a 35 graus Celsius até 2070. Isto significa que a combinação de calor e umidade poderá atingir níveis perigosos para a saúde humana, mesmo para pessoas saudáveis.
- Golfo Pérsico e Mar Vermelho: As temperaturas nessas regiões já são extremamente elevadas e a previsão é que aumentem ainda mais nas próximas décadas. A combinação de calor e umidade poderá tornar a região inabitável até 2070.
- Partes da China, Sudeste Asiático e Brasil: Essas regiões também poderão enfrentar condições inabitáveis nas próximas décadas, embora o prazo exato seja mais incerto. Porém, a derrubada de árvores e o consumo irresponsável de recursos naturais podem provocar uma aceleração no aumento da temperatura.
Por que a umidade é tão terrível
A umidade é um fator de risco porque dificulta a transpiração, um dos principais mecanismos de resfriamento do corpo humano.
O corpo consegue se manter suando a 45°C com 20% de umidade. No entanto, se a umidade passar de 40%, essa combinação pode ser letal porque a capacidade de suar e assim dissipar calor diminui.
O corpo humano precisa manter constante a temperatura interna a 36,5°C, não importando a temperatura exterior. Em dias muito quentes, para conseguir isso, o corpo fica sobrecarregado. A sensação de desconforto é grande e é por isso que o calor pode causar lesões, agravar doenças preexistentes e, em alguns casos, matar.
Se a exposição ao calor extremo continuar, a situação pode progredir para um colapso. A primeira coisa a falhar é a capacidade de suar. E se não há socorro, a exaustão pode evoluir para um ataque por calor. A temperatura interna pode disparar e superar 42°C, que é letal sem assistência imediata. A temperatura corporal elevada pode causar danos cerebrais e falhas nos órgãos.
O calor mata diretamente por hipertermia e não é necessário estar exposto ao sol para sofrer um colapso por calor. Além disso, um estudo do grupo de Camilo Mora, da Universidade do Havaí, identificou 27 distúrbios pelos quais o calor pode matar ao prejudicar pelo menos cinco mecanismos fisiológicos diferentes.
Doenças cardiovasculares são a principal causa de morte associada ao calor. Doenças respiratórias também podem se agravar durante ondas de calor e são a segunda causa de morte durante esses eventos.
Fonte: O Globo
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