Exigência de Dados Financeiros
Pastores solteiros da Igreja Universal do Reino de Deus estão sendo obrigados a fornecer cópias de seus extratos bancários e faturas de cartões de crédito dos últimos dois anos. Além disso, precisam listar seus bens. Desde o final do ano passado, esses pastores têm sido convocados a salas reservadas nos templos da Universal para assinar um documento chamado “declaração”. Nele, afirmam ceder seus dados financeiros e patrimoniais “por livre e espontânea vontade”. Não é permitido levar uma cópia da declaração.
O documento, obtido com exclusividade pelo UOL, inclui a seguinte declaração: “Concedo, por livre e espontânea vontade, à Igreja Universal do Reino de Deus, na pessoa de seus oficiais (Bispos e Pastores), o acesso aos extratos das minhas contas correntes bancárias (ativas ou não) e aos extratos das minhas contas poupança – caso existam (ativas ou não), bem como às faturas dos meus cartões de crédito (ativos ou não) dos últimos dois anos, contados a partir da assinatura desta declaração.”
Além disso, a declaração permite que a Universal colete todos os dados pessoais dos pastores “para armazenar, acessar, consultar, avaliar, controlar e utilizar todos esses Dados Pessoais em seus servidores e arquivos, de forma a possibilitar a tomada de decisões pela IURD [Universal] acerca da minha atuação como Ministro Religioso.”
Em um trecho subsequente, os pastores dão consentimento para que a Universal “colete, armazene e realize outras operações de tratamento com determinados dados pessoais sensíveis referentes a mim, especialmente informações relacionadas à minha convicção religiosa, à minha filiação a organizações de caráter religioso e às minhas experiências e atividades religiosas e espirituais, especialmente aquelas realizadas no âmbito da minha relação com a IURD.”
Quando procurada para se pronunciar, a Igreja Universal não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem. Em vez disso, uma assessora enviou como resposta o versículo 11 do capítulo 5 do Evangelho segundo Lucas: “E disse Jesus a Simão: Não temas; de agora em diante serás pescador de homens. E, levando os barcos para terra, deixaram tudo, e O seguiram.”
Pressão para Assinatura do Documento
Integrantes da Universal, sob condição de anonimato, afirmam sentir-se pressionados a abrir mão de seus sigilos bancários, uma garantia constitucional, sem qualquer explicação por parte da direção da instituição religiosa. Um membro relatou ter recebido uma recomendação para ir à agência bancária, pedir os extratos ao gerente da conta, mas não revelar que seriam entregues à direção da instituição.
De acordo com relatos, somente pastores solteiros prestes a se casar têm sido chamados para assinar a declaração, junto com suas noivas. A ação está ocorrendo em todos os estados brasileiros. Aqueles que questionam ou se recusam a assinar o documento são pressionados internamente a deixar o posto de pastor.
Hierarquia e Fundação da Igreja Universal
Fundada em 1977 pelo autointitulado bispo Edir Macedo, a Igreja Universal conta com cerca de 10 mil templos e 14 mil pastores espalhados por pelo menos 95 países. Na hierarquia da Universal, uma pessoa pode começar como colaborador, depois obreiro, auxiliar de pastor, e eventualmente pastor, com um salário de pelo menos R$ 2.000 brutos. O próximo passo é se tornar bispo.
Liberdade Religiosa e Direitos Constitucionais
O documento da Universal afirma que a instituição pode agir de acordo com suas próprias regras, sem intervenção do Estado, já que a Constituição brasileira concede liberdade religiosa a todos os cidadãos.
Especialistas Comentam
Raphael Andrade Sousa, advogado especialista em Direito do Estado e da Regulação pela Fundação Getúlio Vargas, afirma que a exigência de informações financeiras constitui uma violação dos direitos constitucionais à privacidade e ao sigilo financeiro.
Maria Fernanda Ávila, especialista em compliance e boas práticas, destaca que a legislação trabalhista impede a exigência de dados que possam caracterizar discriminação nos processos seletivos. Ela ressalta que a exigência não encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro.
Reportagem Baseada em Fatos
Este texto relata acontecimentos com base em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista, ou obtidos por meio de fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
Fonte: UOL
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