Anac suspendeu as operações da companhia após acidente que matou 62 pessoas; ex-funcionário aponta negligência e pressão para manter aeronave em operação
As revelações sobre os bastidores da Voepass, empresa aérea responsável pelo trágico acidente que matou 62 pessoas em agosto de 2024, em Vinhedo (SP), colocam ainda mais pressão sobre a companhia e suas práticas de segurança. Um mecânico que trabalhou na empresa antes e depois da queda do avião concedeu entrevista exclusiva ao programa Fantástico, denunciando falhas graves na manutenção e omissões da alta chefia, que teria ignorado alertas sobre o risco da aeronave conhecida como “Papa Bravo”.
Na última semana, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) suspendeu todas as operações da Voepass, medida que reflete a gravidade dos fatos que estão vindo à tona.
Relatório Preliminar do Cenipa: Gelo, Pane e Perda de Sustentação
O Cenipa (Centro de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) divulgou um relatório preliminar apontando formação excessiva de gelo nas asas como uma das causas do acidente. O sistema de degelo da aeronave não funcionou, e o avião não baixou altitude como seria o protocolo recomendado. Resultado: a aeronave perdeu estabilidade, entrou em “parafuso chato” e caiu, uma das situações mais raras e fatais da aviação comercial.
“Papa Bravo era o avião que mais dava problema”, diz mecânico
Segundo o mecânico entrevistado, a aeronave acidentada já era conhecida internamente pelos constantes problemas. “A gente avisava que o avião estava ruim. A manutenção reportava, falava, avisava, e eles queriam obrigar a gente a botar o avião para voar”, afirmou.
O profissional ainda denuncia a falta de suporte da empresa, tanto em peças quanto em ferramentas adequadas para os reparos. “Trabalhei em várias companhias aéreas, e a diferença na Voepass era gritante. Faltava estrutura e segurança”, disse ele.
Irregularidades e “canibalização” de aeronaves
Imagens reveladas pelo Fantástico mostram aeronaves cobertas com lonas em um matagal, na sede da Voepass, em Ribeirão Preto. Segundo o mecânico, essas aeronaves eram desmontadas irregularmente para fornecer peças aos aviões ainda em operação, prática conhecida como “canibalização”.
Embora a reutilização de peças seja permitida sob certificação e rastreabilidade, o ex-funcionário afirma que a empresa não seguia os protocolos adequados e, pior, escondia os aviões com lonas para evitar problemas em fiscalizações da Anac.
O que diz a Voepass?
Em nota enviada ao Fantástico, a Voepass afirmou que “a segurança sempre foi prioridade” ao longo dos seus 30 anos de operação. A empresa contestou as denúncias e declarou que a aeronave do voo 2283 tinha certificação válida e todos os sistemas em funcionamento.
Sobre a reutilização de peças, a Voepass disse que a prática é permitida, desde que haja rastreabilidade e conformidade técnica, e negou qualquer tentativa de burlar fiscalizações da Anac.
As denúncias reveladas escancaram fragilidades no setor de manutenção e controle da segurança de voo, colocando em xeque a credibilidade da companhia. A pressão por resultados, a negligência diante de alertas técnicos e a omissão de riscos reais podem ter sido o estopim para uma das maiores tragédias da aviação brasileira recente.
Com a suspensão das operações pela Anac, cresce o clamor por respostas concretas, investigações aprofundadas e responsabilização dos envolvidos. Familiares das vítimas, especialistas e a sociedade agora aguardam os desdobramentos das investigações.