A descoberta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em meados de junho de 2024, sobre o volume de impostos que o Estado deixa de arrecadar por meio das chamadas isenções fiscais reacendeu um debate explosivo: quem paga a conta no Brasil?
Trata-se dos chamados gastos tributários — um conjunto de renúncias legais de impostos concedidas a empresas, setores da economia, pessoas físicas e instituições. Em 2024, esse valor ultrapassou meio trilhão de reais, ou cerca de 5% do PIB.
A princípio, membros do governo e apoiadores de esquerda viram na cifra um “pote de ouro no fim do arco-íris” — uma fonte que, se ajustada, poderia financiar políticas públicas com justiça social, cobrando mais de quem ganha mais. Mas, na prática, o cenário é muito mais complexo e tem gerado um verdadeiro conflito entre ricos, classe média, empresas e o próprio governo.
Quem mais se beneficia das isenções?
Segundo dados da Receita Federal, o quarto mais rico da população é o principal beneficiado pelos gastos tributários. Entre os maiores exemplos de isenções estão:
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Lucros e dividendos não tributados
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Descontos no Imposto de Renda para profissionais liberais
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Incentivos setoriais a grandes empresas
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Subsídios a instituições filantrópicas privadas
Apesar do apelo social por maior equidade, qualquer proposta de mudança enfrenta resistência imediata. Empresários pressionam nos bastidores, a classe média teme pagar mais, e parlamentares relutam em mexer em isenções que atingem suas bases eleitorais.
Governo sob pressão entre narrativa e pragmatismo
Lula e sua equipe econômica, liderada por Fernando Haddad, reconhecem que cortar isenções não é tão simples quanto parece. Muitos dos incentivos fiscais estão protegidos por legislação específica, com forte lobby no Congresso e risco político elevado.
Mexer nesse vespeiro pode desgastar o governo com setores influentes, mesmo que o discurso público seja o da “justiça fiscal”. Além disso, algumas isenções são consideradas estratégicas, como as voltadas ao setor de saúde ou educação.
Disputa entre classes: o jogo de empurra fiscal
A tentativa de revisar as isenções tem gerado um fenômeno crescente: guerra entre classes.
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A classe média acusa os ricos de serem privilegiados com benefícios fiscais que ela mesma não tem.
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Os ricos se defendem dizendo que são os que mais contribuem com arrecadação e que a insegurança jurídica afasta investimentos.
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Empresas alertam que a retirada de subsídios pode afetar empregos e competitividade.
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O governo, por sua vez, enfrenta o dilema de fazer justiça fiscal sem perder capital político.
Narrativa vs. realidade
O discurso de que bastaria cortar isenções dos “super-ricos” para equilibrar o orçamento e aumentar investimentos públicos é sedutor, mas incompleto. Embora o Brasil possua distorções gritantes, o caminho para uma reforma tributária justa exige equilíbrio e articulação técnica e política refinada.
Especialistas defendem transparência e revisão seletiva dos benefícios, ao invés de cortes generalizados. Um relatório detalhado da Receita apontou que pelo menos 25% dos incentivos atuais têm baixa ou nenhuma justificativa econômica ou social.
A revisão dos gastos tributários é um debate urgente e necessário para a construção de um sistema mais justo. No entanto, envolve decisões impopulares, enfrentamento de lobbies poderosos e uma complexa engrenagem legislativa.
A retórica da “justiça fiscal” pode ganhar apoio popular, mas sua aplicação real exige mais do que boas intenções — requer coragem, estratégia e responsabilidade política.